NORDESTINOS tiveram que encarar a CLAYMORE ESCOCESA


 

    Há mais de 20 anos ouvi de um amigo bahiano, o Carlos, com quem trabalhei por alguns anos quando era segurança, que, durante uma quermesse em sua terra natal, um homem armado de um revólver enfrentou outro que empunhava um facão. Estavam distantes um do outro. Teoricamente a vantagem era para o que portava a arma de fogo. O que portava a arma branca, porém, conseguiu superar a desvantagem, correndo em zigue zague. O sujeito do revólver não teve o sangue frio de aguardar o oponente para atirar quando estivesse mais próximo possível de modo que não pudesse errar o alvo. Talvez fosse inexperiência em lidar com armas de fogo, cuja pontaria para errar bastam alguns milímetros de diferença da visada. Ou talvez fosse a adrenalina, que pode variar de indivíduo para indivíduo, onde o corpo, sob enorme tensão, pode fazer movimentos involuntários, como o tremor. De qualquer modo o sujeito do revólver pagou caro por sua falha. O Carlos me falou que parou de olhar a cena quando viu o portador do facão desferir um golpe sobre a mão de seu rival que segurava a arma de fogo, ficando esta pendurada apenas por uma pele. Era demais para ele suportar assistir aquele infeliz sendo esquartejado.


    Sabemos que se formos abrir um coco verde com um facão bem amolado precisamos ter o cuidado para não vermos voar os nossos dedos. E se for trabalhar cortando cana o cuidado será o de não ficar maneta. Há facões dos mais variados tamanhos. Um facão dos maiores, como o militar tático mede somente a lâmina cerca de 32", ou seja, 81 cm - seria como se tivesse uma espada em mãos. Agora imagine o estrago feito na carne humana por uma espada de verdade, e ainda por cima não uma de tamanho comum, mas de tamanho descomunal, medindo cerca de 1,5 metros, sendo apenas o comprimento da lâmina de 1,20 metros...


    A Claymore Escocesa tinha essas dimensões. No programa Desafio sob Fogo (Forged in Fire), do canal History, ela nos é apresentada por David Baker, expert em recriar armas. Segundo ele, por ser uma espada tão longa (isso já vinha expresso em seu nome, já que vem do termo gaélico Claidheamh Mor - Espada Grande) o soldado comum para a empunhar tinha que usar as duas mãos. Era uma arma terrível e assustadora no campo de batalha, continua Baker, que faz demonstração de seu uso ao cortar bambus que simbolizam as pernas dos cavalos de batalha. A Claymore surgiu na Escócia nos anos de 1500 (época da chegada dos portugueses no Brasil), e foi usada até os anos de 1700. Era usada pelos guerreiros escoceses das Terras Altas - os Highlanders. Baker explica que esses guerreiros montanheses eram tão terríveis e mortais que até os vikings se sentiam intimidados por eles (e isso porque ainda a Claymore não havia sido criada).


    Doug Marcaida, especialista em afiação de armas, mostra o poder de corte da Claymore Escocesa, no Desafio sob Fogo, ao partir de um só golpe a carcaça de um porco ao meio. Sabendo disso, isso muda a visão que temos sobre o período do Renascimento e da Guerra dos Trinta Anos - as batalhas ocorridas nessas épocas foram tão selvagens quanto as medievais. Filmes como Conquista Sangrenta (Flesh+Blood), de 1985, cujo enredo se passa nos anos de 1500, e O Vale da Morte, também conhecido como O Último Refúgio ( The Last Valley), de 1971, que retrata a Guerra dos Trinta dos Anos, nos mostram como se faziam o uso das espadas longas, além da maça de armas ou porrete, do machado de guerra e do mangual - esfera pesada de metal coberta de pontas presa por uma corrente a um bastão.


    É comum vermos, em ilustrações, a Rapieira, espada de lâmina comprida e estreita, famosa pelo uso dos personagens dos Três Mosqueteiros, que tinha como característica principal o poder de perfuração, embora tivesse largura suficiente para golpear com o corte, nas batalhas ocorridas durante as Invasões Holandesas no Nordeste do Brasil. De fato fora a espada mais predominante. Mas para espanto dos apaixonados por armas medievais, a Claymore Escocesa também esteve presente em alguns dos combates ocorridos no solo de nossa terra.


    Enquanto as tropas regulares holandesas tinham o armamento padronizado, os mercenários que contratavam estavam livres para fazerem uso do armamento de sua preferência. Gustavo Barroso, em sua obra História Secreta do Brasil, Volume 1, Revisão Editora Ltda, 1990, págs. 70 a 71, diz que as tropas que a Companhia das Índias Ocidentais pôs em campo durante todo o período da conquista e ocupação não eram propriamente do que se poderia chamar de exército holandês, mas sim composto de mercenários de toda categoria e procedência, onde nem os próprios comandantes eram todos flamengos. Barroso fala que haviam mercenários poloneses, como Arcizewski; franceses como Picard, Tourlon e La Motte, e até judeus, como Simão Slecht e Jacob Rabbi. Quanto aos escoceses, eis o que diz Gustavo Barroso:


... quando descreve o combate do Outeiro da Cruz, no Maranhão, segundo provam as numerosas espadas de highlander, as conhecidas e tradicionais claymores, da coleção de armas da época da guerra holandesa no Museu Histórico (BARROSO, 1990, p. 72).


    Então aqui vemos um relato que não é divulgado - os nordestinos tiveram que encarar a lendária espada escocesa claymore, enfrentando até os famosos highlanders. Imagine nossa gente portando a nada intimidadora espada rapieira dando de frente com os gigantes escoceses, que abriam clarões nos campos de batalha com seus espadões, despedaçando corpos em torno deles - fazendo a bagaceira, como diria Lampião. Mas nossos antepassados não eram de se acovardar. Embora soubessem que poderiam morrer lutando, sabiam que sua coragem fazia também o invasor tingir de vermelho o nosso solo. ¹


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¹ Não era somente alguns mercenários inimigos que faziam o uso dos espadões. O Capitão Francisco Padilha, filho de nossa terra, ao lutar em um duelo de espadas com van Dorth, Governador Militar holandês, partiu o crânio deste como se fosse um coco, com o golpe de uma espada - certamente não fizera uso da rapieira (NETSCHER. P. M. Os Holandeses no Brasil - Notícia Histórica dos Países-Baixos e do Brasil no Século XVII. Tradução de Mário Sette. Companhia Editora Nacional, 1942, p. 62).

É interessante observar que vários nordestinos constataram, após o Teste de DNA de Ancestralidade, que tiveram antepassados escoceses. Provavelmente os Highlanders das Guerras Holandesas.




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