O Dia em que o REI FELIPE II viu sua impecável ÁRVORE GENEALÓGICA e a da maioria dos Nobres de Espanha ser lançada por terra


 

Era Dom Francisco de Mendoza e Bobadilla, Cardeal de Burgos, mecenas de vários artistas, amigo de pessoas sábias e justas. Conseguira o consentimento do Rei Felipe II, da Espanha, para que seu sobrinho, Francisco Hurtado de Mendoza, filho de Andrés Hurtado de Mendoza, Conde de Chinchón, seu irmão, obtivesse o hábito de Santiago.

Mas o Conselho Militar dessa Ordem prorrogava a aprovação do sobrinho do Cardeal. Até que foi dito que não havia muita clareza em alguns de seus ancestrais, sendo encontrada uma mancha em sua linhagem, não podendo Francisco Hurtado de Mendoza ser aceito na Ordem Militar de Santiago.

Essa dúvida sobre a LIMPEZA DE SANGUE na família causou um mal estar não só em Francisco, no seu pai, o Conde, e no seu tio, o Cardeal, mas em todas às famílias que eram ligadas a eles.

O Cardeal Dom Francisco se encheu de ira - se vingaria dos Nobres daquela Ordem, nem que para isso tivesse que humilhar todas as Ilustres Casas de Espanha e Portugal. (1)

Foi na Torre do Tombo e retirou uma cópia do famoso Livro de Linhagens escrito pelo Conde Dom Pedro, filho de Dom Dinis, rei de Portugal. (2)

Era por volta do ano de 1560, quando o poderoso Felipe II, Rei de Espanha, recebeu um manuscrito enviado pelo Cardeal Dom Francisco de Mendoza e Bobadilla, precedido de uma carta que assim dizia (3): 

"Don Francisco de Mendoza suplica à Vossa Majestade que se sirva de passar os olhos por este Memorial, que parece extenso. Tentei condensar o mais que pude, porque como o assunto é enorme, asseguro à Vossa Majestade que se há mais trabalhado nele que averiguar às linhagens das famílias de cada um. Que entre os cronistas que escrevem estas matérias como outras faculdades, tudo é bajulação por seus interesses, porque cada um escreve o que lhes dão de sua Casa, que não é pouco dano nesta matéria escurecer o que está  claro. Não me quero com isto alargar mais, por ser coisa que se vê cada dia; que é a causa pela qual se dá pouco crédito, fora os nossos naturais, a Nobreza da Espanha, considerando os muitos inconvenientes que neste particular há. 

Meu intento foi lembrar como Vossa Majestade fez um favor ao meu sobrinho, o Conde de Chinchón, no Conselho da Ordem na qual estão suas provas. E me admiro com o atraso que há,  como se os avós dele fossem estrangeiros, e não o são.  São mais naturais deste Reino que aqueles que negaram que os desconheciam, e porque Vossa Majestade já o sabe, não o refiro, que sendo os cavaleiros, Condes, Duques e Marqueses, os que ilustram a República e as flores de roseira em que todos se olham, há um dentre eles, que em seios nobres é infâmia e dê às pessoas plebeias algo para murmurar, que podem dizer que são mais nobres do que os príncipes que não conhecem os seu avós, nem há qualquer memória deles, que se estendeu seu olhar às naturezas, às bastardias, às palavras e blasfêmias, atos secretos e públicos da Santa Inquisição, fora proceder em infinito, e lendo as Sagradas Escrituras, que são espelhos da Igreja, dizem más coisas tocantes ao meu intento, mas, como a brevidade deste Memorial impede de desatar a língua, peço, olhe com atenção a tão grandes príncipes, como mostram Ylos, Polos, gregos, a quem Vossa Senhoria o suplico para bem e amparo desta República.  Dom Francisco de Mendoza e Bobadilla". (4)


Felipe II, após ler a súplica do Cardeal,  passou depois a ler o conteúdo do manuscrito. Um nervosismo tomou então conta do monarca. Não só ali estavam provas de que o sangue de muitos de seus principais fidalgos e nobres estava manchado com o sangue impuro daqueles que seus bisavós Fernando de Aragão e Isabel de Castela, os Reis Católicos, perseguiram ferozmente, estendendo-se, depois, até ao Reino de Portugal, após aliança com o Rei Dom Manoel, mas poderia até levantar dúvidas sobre o seu próprio sangue real, já que apontava famílias ligadas e muito próximas a ele. (5)

Começava falando da linhagem de Porto Carrero, tão notória e antiga em Castela. Depois os ligava aos Pacheco, assim dizendo:

"Os Pachecos, segundo escreve o Conde Dom Pedro, Título 42 e 50, descendem de Gonçalo Lopes Taveira e de Dona Maria Ruiz, filha de Ruy Capão que foi um judeu que passou a Portugal com a Rainha Dona (Urraca, testado) Branca, ano de 1340, e foi seu almoxarife, e depois se batizou e se chamou Ruy Capão, a quem o Rei Dom Afonso, filho do Rei Dom Sancho II de Portugal fez cavaleiro, e favoreceu com muitas mercês, e trouxe sua filha de Castela, que era muito linda, e havendo-se batizado, lhe deu muita riqueza em dote com o dito Gonçalo Ruiz Taveira, e uma descendente destes, que se chamou Maria Gomes Taveira, que casou com Lope Fernandes Pacheco, Senhor de Ferreira em Portugal, e grande privado do Rei Afonso de Portugal, filho do Rei Dom Dinis, de quem procedem os Pachecos que hoje hão nestes reinos relacionados com a maior parte dos Senhores e dos do Mestre Dom Juan Pacheco e sua mulher Dona Maria Porto Carrero descendem por sucessão e casamentos as seguintes Casas:

"O Marquês de Villena, Duque de Escalona, que é a cabeça e varonia desta Casa em Castella, cuja sucessão põe alguns autores de genealogias, e a verdade desta relação não convence se por aqui.

"Dom Pedro Porto Carrero, filho segundo do Mestre Dom Juan Pacheco, descende da Casa do Marquês de Villa-nueva Del Fresno.

"Tivera o Mestre Juan Pacheco 9 filhas que casaram com diversos Senhores dos mais principais destes reinos e dele e delas descendem muitas Ilustres Casas que tocam esta linhagem e sucessão que é como se segue:

"Conde de Benavente.
Duque de Florencia.
Marqués de Villafranca.
Conde de Aranda.
Duque del Infantado.
Duque de Castro Villa.
Marqués de Montesclaros.
Conde de Medellín.
Conde de Alcaudete.
Duque de Alba (de Tormes)
Almirante de Castilla.
Marqués de la Guardia.
Conde de Luna.
Conde de Alba de Liste.
Conde de Monterrey.
Marqués de Tavara.
Don Bernardino de Mendoza, irmão de Mondéjar.
Marqués de Priego. (Pliego)
Adelantado de Castilla.
Marqués de Viana.
Duque de Feria.
Duque de Alburquerque.
Marqués de Gibraleón.
Marqués de Comares.
Marqués de Mondéjar.
Marqués de Ayamonte.
Conde de Agudos (Monteagudo)
Conde de Oropesa.
Duque de Maqueda.
Conde de Fuensalida.
Os filhos do Conde de Osorno.
Don Francisco Pacheco, Señor de Almunia.
El Señor de Albadalejo.
El Señor de Malpica.
Doña Magdalena de Bobadilla.
Os filhos do Marqués de las Navas.
O Dr. Moxica y Buitrón e outros." (6)

E o Cardeal não parava por aí. A cada explicação, mais Casas da Nobreza eram listadas. Era um documento realmente comprometedor. Felipe II ordenou que todos os livros escritos por diferentes autores, que tratavam das origens e linhagens destes reinos, que estavam em Simancas, e que eram mais de 46, que se levassem, como se executou, à Livraria de San Lorenzo El Real. (7)

Os nobres comentavam sobre o impacto que a escrita de Mendoza causara. Que o mau humor dele, por causa do sobrinho, se tornara como a tocha do fogo. Que fora até o Rei carregado de tições e cinzas, ateando fogo às Linhagens da Nobreza Espanhola com seu tição (Tizón) - o Memorial. Revoltados, consideraram o Cardeal um traidor. (8)

Por muito tempo ficaria o mal estar causado pelo Cardeal Mendoza nas famílias nobres de Espanha. Até que, em 1646, para a alegria dos fidalgos e nobres espanhóis, o Livro de Linhagens do Conde Dom Pedro seria traduzido para o espanhol por Manuel Faria i Souza, Cavaleiro da Ordem de Cristo e da Casa Real, dedicado ao Senhor Dom Francisco Antônio de Alarcon, Cavaleiro da Ordem de Santiago, a mesma que há uns 80 anos negara o ingresso do sobrinho do Cardeal.

Com a tradução, o termo JUDEU associado a RUY CAPÃO, desaparece, ficando assim o NOBILIARIO DEL CONDE DE BARCELOS DON PEDRO:

"                    CAPÃO   
Ruy Capão veio a Portugal com a Rainha Dona Urraca como seu almoxarife, e o Rei Dom Afonso, seu marido, lhe fez Cavaleiro. Trouxe consigo uma filha formosa (a) quem deu muita riqueza, e se chamava

Maria Roiz, que casou com Gonçalo Paes Taveira.

A Ruy Capão casou a Rainha com a filha de um cidadão rico de Lisboa, e teve a

Gil Roiz, Arcediano de Lisboa."

Para dificultar o cotejamento das informações sobre Ruy Capão com o manuscrito original português, que se localizam no Título 42, ficaram na versão Espanhola no Título 41. E se ainda alguém insistisse no judaísmo de Ruy Capão, no final da obra haveriam notas do Marquês de Montebelo...

"                PLANO 244
Gonçalo Paes Taveira. Foi casado com DONA Maria Rodríguez, filha de Ruy Capão. Juan Bautista Labaña, na nota da margem letra A, diz que Dona Maria Rodríguez  era filha Ruy Fernandes Capão,  filho de Ruy Capão, e de uma cidadã rica de Lisboa; e o Conde Dom Pedro refere em seu Nobiliário que o mesmo Ruy Capão casou com esta cidadã rica, e que aquela filha D. Maria Rodríguez, havia levado consigo de Castella, indo com a Rainha D. Urraca por seu almoxarife. Já a sepultura de Ruy Capão que trazemos em nosso Memorial, p.21, que foi falada em São Vicente de Fora, da cidade de Lisboa é esta


HIC IACET RODERICVS CAPVANVS, FILIVS FERDINANDI CAPVANI, IN INSVLA SICILIÆ NATVS, MVLTAS DIVITIAS HABVIT, ET A REGINA ORACA FAVORES. SED MORS PROHIBET HONORES.


De tudo isto se acha de ver com muita clareza, que não houve mais de um Ruy Capão, que este foi filho de Fernando Capuano, natural de Sicília, e como antes de vir a Portugal não usasse do patronímico Fernandes,  nem depois por alguns anos, como era muito possível,  há de se afirmar que Ruy Capão, o Capuano, como era seu apelido, e depois de casar-se, usando do patronímico, como era costume naqueles tempos em Espanha, chamar-se Ruy Fernandes Capuano,  é parecido que foram dois, e com muita razão se há quitado deste Nobiliário,  o demais que se dizem dele, porque sendo filho de Fernando, que não é nome usado entre os hebreus, mal poderia ser aquilo verdade: antes foi sua família muito nobre. Será dela dos que possuem esse apelido em Nápoles, de onde tomaram a cidade de Cápua. E como o português antigo, para dizer o Capuano diz o Capuam (por ser desta cidade), disseram depois, corruptamente, Capoão, e logo, Capão, sempre con diminuição de letras, que veio parecer que diziam Capon."

________________
1 - OLMEDO. Armando Mauricio Escobar. Introdução. In: BOBADILLA. Cardeal Francisco de Mendoza.  El Tizón de la Nobleza de la España. Introdução, Versão Paleográfica e Notas de Armando Mauricio Escobar Olmedo. Prólogo de Fredo Arias de la Canal. Frente de Afirmación Hispanista, A. C. México, 1999. p. XXVIII.

2 - Ibid., p. XXXVIII.

3 - Ibid., p. XXVIII-XXIX.

4 - BOBADILLA. Cardeal Francisco de Mendoza.  El Tizón de la Nobleza de la España. Introdução, Versão Paleográfica e Notas de Armando Mauricio Escobar Olmedo. Prólogo de Fredo Arias de la Canal. Frente de Afirmación Hispanista, A. C. México, 1999. p. 5-6.

5 - OLMEDO, op. cit., p. XXXII.

6 - BOBADILLA, op. cit., p. 7-9.

Erra o Cardeal ou quem transcreveu o seu manuscrito ao dizer que Ruy Capão passou ao Reino de Portugal no ano de 1340, e que foi nomeado Cavaleiro pelo Rei Afonso, filho do Rei Sancho II no ano de 1340. Na verdade, ele já se encontrava em Portugal no ano de 1208, quando Dona Urraca, da qual era ele seu almoxarife, filha do Rei Afonso VIII de Castela, se casou com o Infante Dom Afonso, filho do Rei Dom Sancho I (e não II como consta em El Tizón) de Portugal (BRANDÃO. Frei Antônio. Monarquia Lusitana, Quarta Parte. Livro XII, Capítulo XXX). O Conde Dom Pedro no Título 42 fala que Dona Urraca o fez batizar por-lhe o nome Rodrigo, e por sobrenome Capão, sendo que Dom Afonso, seu marido, filho do Rei Dom Sancho, o Primeiro, Rei de Portugal, que o fez Cavaleiro. 

Almoxarife. Cargo exercido por Ruy Capão, também conhecido como tesoureiro-mor, era o cargo financeiro de maior confiança do rei dentro da sua casa. É mencionado pela primeira vez durante o reinado de Afonso VIII (o pai de Dona Urraca, que se casara com o infante Afonso, filho de Sancho I, de Portugal). Era exercido por judeus (QUESADA.Miguel Angel Ladero. Fiscalidad y poder real en Castilla: 1252-1369. Madrid. Editorial Complutense, 1993, pp.234-235. APUD VICENTE. Ricardo Emanuel Pinheiro. Almoxarifes e Almoxarifados ao Tempo de D. Afonso IV - Uma Instituição em Evolução. Universidade de Coimbra, 2013).

7 - OLMEDO, op. cit., p. XXXII-XXXIII.

8 - Ibid., p. XLII-XLIV.

O Cardeal, seis anos após entregar a Felipe II o Tição da Nobreza, foi nomeado  Arcebispo de Valencia em 1566, mas não pôde tomar posse pois faleceu em Arcos de Llana, Burgos, no dia 28 de novembro de 1566, aos 58 anos de idade (OLMEDO, op. cit., p. XXXV.)






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