A MALDIÇÃO que pesou sobre AFONSO HENRIQUES e o Reino de PORTUGAL
Quanto à sua mãe, o Conde Afonso ordena que a acorrentem.
Quando Dona Tareja (4) vê seu filho, assim lhe fala:
- Afonso Henriques, meu filho, prendeste-me e meteste-me em ferros, e deserdaste-me de minha terra, que me deixou meu pai e tiraste-me de meu marido. Rogo a Deus que sejais preso, assim como eu estou. E porque me meteste ferros nos pés, quebradas sejam as tuas pernas com ferros! Mande Deus que assim seja isto (5).
Afonso VII, Rei de Castela, chamado Imperador como seu avô Dom Afonso VI, soube que sua tia fora aprisionada e posta a ferros pelo próprio filho, através de uma mensagem que ela lhe enviara secretamente (5). Era hora de por um fim no atrevimento desse seu primo vassalo, que desde os 14 anos, diante de todos na praça de Zamora, ousara tomar por suas próprias mãos, do altar de São Salvador as armas militares e ali mesmo, no altar, vestir a loriga, assim como os reis de Espanha costumam fazer no santo dia do Pentecostes (6). Afonso VII chama gente de Castela, de Leão, de Aragão e da Galiza, e com essa multidão marcha contra o Condado de Porto Cale (5).
Os portugueses, porém, preferem enfrentar esse grande exército a ter que se submeterem aos galegos de Fernão Peres Trava. Dom Afonso Henriques, que os lidera, segundo uns dizem, nascera deficiente das pernas, sendo logo entregue para Dom Egas Moniz, que o criou e viu através de um milagre as pernas do menino se curarem, se tornara grande cavaleiro e conhecedor da Arte da Guerra graças à educação de seu aio (5).
A batalha se dá em Val de Vez, lugar entre Monção e Ponte de Lima. Os portugueses combatem tão valorosamente que caem mortos muitos do imenso exército que enfrentavam. No meio da meio do choque violento do combate o próprio Imperador leva duas lançadas em sua perna esquerda. Foge dali para Toledo, abandonando sete condes, que cairam aprisionados, além da imensa quantidade de soldados e cavaleiros que foram aprisionados ou mortos pelos portugueses (5).
Mas Afonso ainda não poderia ficar sossegado. Um oponente mais forte que Afonso VII também fora avisado por sua mãe da sua humilhante prisão - o Papa.
Estando em Roma o Bispo de Coimbra, este recebe a missão do Santo Padre de tirar Dona Tareja da prisão, e caso o jovem príncipe não ouvisse, seria este e todos os seus vassalos excomungados.
Após receber as cartas e os mandados papais para que libertasse sua mãe, Afonso fala ao Bispo:
- Que tem o Santo Padre em dizer que mantenho minha mãe presa? Nem por mandado do Papa, nem pelo de ninguém eu a soltarei. O que faço é pelo serviço de Deus e pelo bem de meu Reino.
Vendo que nada mais se esperava de Dom Afonso Henriques, antes de partir o Bispo excomunga toda aquela terra, partindo em fuga logo depois. Ao amanhecer do dia, Afonso é avisado sobre a excomunhão. A ira toma conta dele. Vai à Sé e faz entrar todos os cônegos no Claustro, ordenando-lhes:
- Dentre todos me dai um bispo!
- Bispo temos. Como vos daremos outro bispo? - responderam eles.
- Esse, que vós dizeis, nunca aqui será bispo em todos meus dias - declara Dom Afonso. Mas, pois, assim é, sai-vos todos pela porta fora. E eu catarei quem faça bispo.
Retirando-se os cônegos, seguia Afonso Henriques pelo Claustro, insatisfeito pela derrota de não eleger um bispo. Até que deu de frente com aquele que poderia ser a solução de seu problema - um clérigo negro.
- Qual seu nome? - pergunta o Conde.
- Meu nome é Martins.
- E teu pai, como se chamava?
- Soleima (8) - responde o negro.
- És bom clérigo, - pergunta Afonso - ou sabes bem o ofício da Igreja?
- Não há aqui melhores dois na Espanha. Nem que o melhor saibam.
- Tu serás Bispo Dom Soleima - declarou o Conde Afonso, satisfeito, certo de que o negro não se recusaria em aceitar, porque dificilmente pela cor dele subiria na hierarquia eclesiástica, e seria uma humilhação para aqueles que se recusaram em aceitar a sua oferta e para o Papa um bispo que não usava um nome cristão, mas de um inimigo da Fé - e ordena logo como me digas Missa.
- Senhor, eu não sou ordenado como Bispo, para te poder dizer.
Afonso viu que agora precisava usar de um argumento mais forte para convencer aquele cônego, ou tudo estaria perdido. O povo, com um bispo a seu favor, talvez suportasse a excomunhão lançada pelo emissário do Papa. Mas sem nenhum representante da Igreja o apoiando, ele seria abandonado por todos, sendo logo deposto.
- Eu te ordeno como Bispo! - bradou o Conde, e desembainhando o frio metal de sua cinta, ameaçou o pobre Martins - e prepara-te logo para me dizer a Missa, senão eu te cortarei a cabeça com esta espada!
Em Roma chega a nova do Bispo Negro eleito pelo Conde Dom Afonso Henriques, além da teima em não libertar sua mãe. O Papa, tendo-o como um herege, envia um Cardeal para que lhe ensine a Fé Cristã e corrigir todos os seus erros.
Ao se aproximar de Coimbra, alguns fidalgos avisam a Afonso.
- Senhor, aqui vos vem um Cardeal de Roma por estardes em desprazer e descontentamento do Papa por este Bispo que fizestes.
- Ainda eu não me arrependo - responde Afonso.
- Senhor, - disseram - todos os Reis por cujas terras vem, segundo se diz, lhe fazem quanta honra podem, e provam para lhe beijarem a mão.
- Não sei de Cardeal nem de Papa que a Coimbra venha, e me estenda a mão para a beijar em minha casa que eu não lhe corte o braço pelo cotovelo com esta espada! E disto não pode escapar!
Estas palavras chegaram ao Cardeal, que acabara de chegar em Coimbra. Ele viu que se encontrava em grande perigo. O Conde não quis sair fora a recebe-lo. Teve que o Cardeal adentrar na Alcáçova onde Afonso repousava.
- Cardeal - pergunta Afonso Henriques, - a que viestes a esta terra, ou que riquezas me trazeis de Roma para estas hostes que tão frequentemente faço de dia e de noite contra Mouros? Dom Cardeal amigo? Se vós porventura me trazeis algo, que me dês. Dai-me, e se me não trazeis nada, tornai-vos para vossa via.
- Senhor, eu sou vindo a vós da parte do Santo Padre para vos ensinara a Fé de Cristo.
- Certo. Assim temos nós outros cá bons da Fé nesta terra como vós lá em Roma. E, portanto, bem sabemos como o Filho de Deus encarnou na Virgem Maria e dela nasceu, e isto por obra do Espírito Santo, e como morreu na Cruz por remir a geração humana e desceu aos infernos, e ao terceiro dia ressurgiu não mortal, e que o Pai e o filho e o Espírito Santo são Três Pessoas realmente distintas em uma só essência. Esta fé temos e cremos firmemente tão bem como vós lá em Roma. Não havemos por agora necessitar de vós outra doutrina, nem ensino. Mas deem-vos agora essas coisas que houverdes necessárias, e de manhã, se Deus quiser, eu e vós falaremos.
Indo para a pousada, o Cardeal mandou carregar as bestas com cevada. Era meia-noite quando mandou chamar todos os clérigos da cidade. Excomungou a cidade e todo o Condado de Portugal. E, cavalgando, partiu dali.
No dia seguinte, ao amanhecer, o Conde se levanta e fala a seus cavaleiros:
- Vamos ver o Cardeal.
- Senhor, - dizem eles - ele se foi daqui e deixou excomungado a vós e a toda vossa terra.
- Selem-me depressa o meu cavalo!
Cingindo sua espada, Afonso Henriques cavalgou a grande pressa, sem esperar seus cavaleiros. Alcançou o Cardeal em um lugar chamado Vimieira, ao lado de Poiares, caminho da Beira. Segurando-lhe a cabeça com uma mão, com a outra retira a espada, e a erguendo:
- Dá a cabeça, traidor! - brada o gigante enfurecido enfurecido, preparando-se para o decapitar.
- Senhor! - ouve Afonso, então, quatro de seus cavaleiros, que acabavam de chegar, implorarem - Por mercê não queirais tal fazer, que se matardes este Cardeal todos o terão por herege!
- Por essa palavra que ora dissestes, vós lhe dais a cabeça. - diz Afonso, e voltando-se para aquele que seria sua vítima - Mas, Dom Cardeal, ou vós desfazei quanto fizeste, ou cá vos ficará todavia a cabeça!
- Senhor! - suplica o Cardeal - não me queirais fazer mal, e tudo que vós quiserdes eu farei de boa vontade.
- O que eu quero que vós façais - diz o Conde - é que descomungais quanto excomungastes, e que não leveis daqui ouro, nem prata, nem bestas senão três que vos abastarão. E mais, que me envieis uma carta de Roma que nunca eu, nem Portugal em meus dias seja excomungado. Que eu o ganhei com esta minha espada. E isto quero de vós por agora, e, porém, - voltando-se Afonso para o sobrinho do Cardeal - vós deixareis aqui este vosso sobrinho, filho de vossa irmã, em prenda até que a carta venha, e se ela, até quatro meses aqui não chegar, que eu lhe corte a cabeça!
O Cardeal concordou com os termos de Afonso, o qual lhe tomou toda a prata e ouro que achou, inclusive as bestas, deixando-lhe somente três.
- Ora, Dom Cardeal. Segue vosso caminho, que este é o serviço que eu de vós quero. E que venha a carta!
Antes de o Cardeal partir, Afonso Henriques se despiu diante dele, mostrando-lhe inúmeras cicatrizes que havia por todo o seu corpo.
- Cardeal, como eu sou herege bem se mostra por estes sinais, que eu tive em batalhas em cidades ou vilas que tomei, todas por serviço de Deus contra os inimigos de nossa Fé. E, para isto levar adiante, vos tomo este ouro e prata, porque estou muito reduzido e me faz necessário para mim e para os meus.
Chegando em Roma, o Cardeal é recebido pelo Papa, que lhe pergunta como foi a conferência com Dom Afonso Henriques. Ao saber do sucedido, e da letra que deveria enviar, o Papa repreende o Cardeal:
- Tal coisa como aquela não lhe pertencia! Somente à Sé Apostólica! Não é dado a você, nem a nenhum outro prometer nem ficar por tal caso.
- Senhor Santo Padre! Eu não digo letra, mas se a cadeira de São Pedro fosse minha eu a deixaria e daria de boa vontade para escapar das mãos dele. Se vísseis sobre vós um cavaleiro tão forte e tão espantoso como ele, segurando a sua cabeça com uma mão e a outra erguida para vos corta-la, e o seu cavalo não menos agitado, escavando a terra, parecendo que já me fazia a cova, vós lhe daria a letra e o Papado para escapardes da morte. Portanto, não me deveis culpar.
E o Papa enviou a Afonso Henriques a carta requerida antes dos quatro meses. E Afonso Henriques enquanto viveu fez arcebispos e bispos em sua terra quais ele quis (9).
É o dia 1 de novembro do ano 1030 da Era Cristã. Dois anos após ter sido presa e mantida acorrentada pelo próprio filho, morre Tareja, filha do Rei Afonso VI de Leão e Castela (7).
Dom Afonso Henriques vai crescendo cada vez mais ao longo do tempo, até deixar de ser vassalo do Rei de Castela ao ser aclamado Rei de Portugal por seus cavaleiros, para que tivessem maior motivação na Batalha de Ourique contra os exércitos de cinco reis mouros, em 1139 (10).
O rei lusitano vai se cobrindo de inúmeras vitórias, ao longo dos anos, conquistando cada vez mais terras dos muçulmanos, ao sul de Portugal. Isso chamou a atenção de Giraldo, um cavaleiro português que por sua coragem em se arremessar contra os inimigos, rompendo por suas fileiras nos campos de batalha, ganhara o apelido de Sem Pavor. Desde que cometera um crime, fora se refugiar no Alentejo para escapar da espada de Afonso Henriques, onde acabou se desonrando ao se juntar com um bando de ladrões sanguinários, que viviam a saquear e matar tanto mouros como cristãos.
Giraldo via aqueles avanços como a Justiça se aproximando cada vez mais dele para o punir por seus crimes. Era preciso presentear Afonso com algo de enorme valor. Mas não com riquezas resultado de roubo e assassinato de inocentes. Tinha que ser o resultado digno da proeza de um cavaleiro.
Foi então que lhe veio à mente tomar Évora, principal cidade do Alentejo, situada em terras fertilíssimas, e entrega-la a Afonso Henriques em troca do perdão real, restaurando, assim, a sua reputação.
Mas a cidade era rodeada de campos, o que permitia uma boa visão às sentinelas das muralhas. Não havia o que ocultasse a aproximação de invasores. E Giraldo não tinha recursos para sitiar Évora.
Entretanto, havia um monte ao oeste, no qual poderiam se aproximar sem serem notados, mas nele fora edificado uma Torre de Vigia, único obstáculo que impediria adentrarem os muros da cidade.
Esse obstáculo não esmorece Giraldo Sem Pavor. Traça uma plano de tomar a Torre durante a noite, e convence a corja de assassinos para tal empreitada.
Os campos estão encobertos pela escuridão noturna. Ninguém nota um indivíduo coberto de ramos de árvores se aproximando pouco a pouco da Torre de Atalaia. Era Giraldo Sem Pavor, que chega ao pé da Torre bem no momento que a sentinela fora se recostar, deixando sua filha de vigia.
A moça, por imprudência ou vencida pelo sono, adormece na janela de onde vigiava. Segurando firme uma lança, e umas cunhas que trouxera preparadas, Giraldo as encaixava entre as pedras da parede da torre para se apoiar, e foi escalando até chegar no alto dela, de onde arremessa a filha do mouro da janela para baixo. Entra, logo depois, na Torre, decepando a cabeça do pai dela.
Os ladrões veem se aproximar um cavaleiro armado com a espada nua em uma mão, e na outra, segurando pelos cabelos, duas cabeças, de um homem e de uma mulher. Animados pelo feito de Giraldo, se repartem em duas tropas por ordem dele. Uma seguiu com os cavalos por uma trilha, enquanto a outra o acompanhou para se apoderar da porta da cidade. Do alto da torre, Giraldo, se passando por sentinela, faz sinal aos muçulmanos, indicando que andavam inimigos pelo campo, na direção que seguira parte de seu bando. Os vigias da cidade respondem com outro sinal. Dão alarme, acordando os habitantes, que levantam em tumulto. Batedores vão ao campo e percebem que os inimigos são poucos. Sabendo disso, os mouros saem armados da cidade fortificada para irem castigar os atrevidos que vinham perturba-los de noite.
Giraldo Sem Pavor e o resto do bando seguem pela cidade até se apoderarem de sua porta. Se espalham pelas ruas e vão matando os poucos mouros que surgem, se apoderando de Évora. Os mouros, que estavam no campo, se desesperam ao verem que a cidade em que abriga suas famílias estar sendo tomada por invasores e tentam entrar pela porta. E muitos caem mortos na tentativa de recuperar Évora. O horror toma conta dos moradores, ouvindo-se os gemidos dos que são mortos pelos portugueses nas ruas, e os dos que se encontram em suas casas. O bando de ladrões que ficara de fora consegue se desviar da multidão de mouros que veio sobre eles, e atacam a retaguarda dos mouros que tentavam forçar passagem pela porta da cidade, matando vários destes. Sem alternativa os mouros fogem pelos campos.
Sem defensores, Évora se entrega ao saque, mas seus habitantes tem a vida poupada. Giraldo dá um salvo conduto aos mouros que quisessem viver na cidade, o que faz muitos permanecerem nela.
Giraldo envia uma embaixada ao Rei Afonso Henriques, para dizer-lhe que Évora estava a sua obediência, que mandasse tomar a posse dela, ordenando Capitão e soldados que a defendessem, e que a Giraldo e seus companheiros fossem perdoados os delitos passados. Com grande contentamento ouviu o Rei os embaixadores, e tratando-os com muito favor e benignidade, não só admitiu à sua graça o esforçado Capitão e seus companheiros, mas ordenou que o próprio Giraldo ficasse por capitão da cidade, pois com tanto valor e habilidade a havia recuperado (10).
Sempre disposto a novas aventuras, Giraldo Sem Pavor faz uma série de ataques aos castelos dos muçulmanos, entre os anos de 1167 e 1168, apoderando-se de Santa Cruz, Monfrague, Moura e Monsaraz. Fez tal pressão sobre Badajoz, atacando suas colunas de abastecimento, que em finais de 1168 o Califa proclama a Jihad, enviando um exército para socorrer a cidade.
Chega o mês de maio do ano de 1169. Giraldo e seus soldados conseguem se apoderar das muralhas exteriores de Badajoz. A guarnição militar muçulmana refugia-se na alcáçova (12).
O Rei Afonso Henriques estava já perto dos 60 anos, quando vai com um pequeno efetivo ajudar Giraldo Sem Pavor na tomada de Badajoz. Afonso sabia que essa cidade ele não poderia tomar porque ela pagava tributos a Fernando, Rei de Leão, seu sobrinho, mas ignora isso.
Os árabes comunicam ao Rei de Leão sobre o ataque de seu tio em Badajoz. Juntando rapidamente a sua gente, Dom Fernando parte em auxílio dos mouros.
Ao saber que o Rei de Leão se aproximava para ajudar os defensores de Badajoz, Dom Afonso e sua gente se veem encurralados, e tentam sair às pressas pela porta da Cidade, para combater os leoneses (13).
No meio da confusão o cabo do ferrolho da porta não ficara bem colhido ao abrir das portas, e o Rei Afonso Henriques, ao passar correndo em seu cavalo, bate sua perna esquerda violentamente nele, quebrando-a. O cavalo, que também se ferira, tomba junto com o Rei, acabando de quebrar a mesma perna. Seus vassalos tentam monta-lo num cavalo, mas não conseguem.
E ali, caído no chão, o Rei Afonso Henriques acaba como prisioneiro do Rei Fernando. Do jeito que sua mãe lhe amaldiçoara há cerca de 40 anos lhe aconteceu - preso e de perna quebrada. Nunca mais voltaria a andar novamente, terminando seus dias sendo transportado numa liteira. Com sua derrota perde também o Reino de Portugal, que teve de ceder várias terras ao Rei de Leão (14).
________________
1 - Irmão do famoso Gonçalo Mendes, o Lidador, Sueiro Mendes, que tivera acrescentado em seu sobrenome o apelido "da Maia", por haverem ganho seus antepassados essa terra que ia do rio Douro até o Lima, já era um antigo capitão em serviço num período anterior ao do governo do Conde Henrique de Borgonha em Portugal, quando era lugar-tenente do Conde Raimundo, casado com Dona Urraca, filha de Afonso VI, Rei de Castela e Leão (BRANDÃO. Frei Antônio. Monarquia Lusitana, Livro X, Capítulo X. Mosteiro de S. Bernardo, Lisboa, 1632).
No primeiro embate de Afonso Henriques contra seu padrasto e a sua mãe ele sai derrotado, narra Dom Pedro Afonso, Conde de Barcelos, em seu Livro de Linhagens, por volta do ano de 1340. Em sua retirada, ao passar por uma lagoa em Guimarães, encontra Sueiro Mendes, que o vinha ajudar.
- Como vinde assim, senhor? - pergunta o velho capitão ao jovem príncipe.
- Venho muito mal, que me derrotou meu padrasto e minha mãe que estava com ele.
- Não fizestes bem em dardes batalha sem mim - repreendeu Soeiro - mas tornai, e eu convosco, e espero em Deus, que aí prendamos vosso padrasto e vossa mãe. Recolhei a vós toda vossa gente que vem fugindo, e tornemos a pelejar.
- Deus mande que assim seja! - torna Afonso.
- Vós veredes que assim será.
Duarte Galvão, sem nada explicar, substitui Sueiro Mendes por Egas Moniz nesse encontro na lagoa em Guimarães. Como o Conde de Barcelos escreveu há mais de 150 anos que Duarte, preferi manter Sueiro no momento da prisão de Fernão Peres de Trava e de Tareja. Quanto a Sueiro ser quem comunica a prisão deles a Afonso, me baseio no que diz o Conde de Barcelos: "Tornaram-se com ele à batalha, e prenderam seu padrasto e sua mãe". Isso deixa claro que Afonso não estava presente no momento da prisão deles, mas Soeiro Mendes, que deve ter logo depois lhe comunicado.
Começa aqui meu desafio, o mesmo de Duarte Galvão em 1505, ao escrever sobre o Rei Afonso Henriques: a dificuldade de ajuntar e suprir coisa de tantos tempos, desordenada, e falecida, e para haver de emendar escritos alheios, vendo se armar sobre mim juizos de muitos...
2 - Frei Antônio Brandão, na terceira parte da Monarquia Lusitana, Livro VIII, Capítulo XXVI, prova que vários cronistas antigos erram ao dizer que Afonso Henriques nasceu no ano de 1094. Segundo as provas apresentadas por Brandão, teria sido entre 1106 e 1110, sendo este último, o ano mais provável. Portanto, na Batalha de São Mamede no ano de 1128, quando Afonso enfrenta seu padrasto e sua mãe, estaria com 18 anos de idade.
3 - Preito: prestar vassalagem.
Menagem: Espécie de prisão, sem o rigor carcerário, na qual se baseia pelo compromisso dos militares contemplados com esse benefício de permanecerem em local determinado por autoridade competente. (https://www.jusbrasil.com.br/noticias/que-se-entende-por-menagem/106357). Pode significar também o mesmo que preito.
4 - Teresa
5 - Nobiliário do Conde Dom Pedro, Título 7°.
Duarte Galvão em sua Crônica, Capítulo VI, acrescenta à Maldição lançada pela mãe:
"...e porque pusestes minhas pernas em ferros que vos ajudaram a trazer, e a criar com muitas dores em meu ventre, e fora dele, com ferros sejam as vossas quebradas, a Deus praza que assim seja."
6 - GALVÃO. Duarte. Crônica do Rei Dom Afonso Henriques. Biblioteca de Clássicos Portugueses. 1906, Capítulo III.
AIO - encarregado da educação doméstica de crianças de famílias nobres.
Alguns historiadores suspeitam que Dom Egas Moniz era o verdadeiro pai de Afonso Henriques (ADRIÃO. Vitor Manuel. Quem foi o pai de D. Afonso Henriques? Disponível em:
https://lusophia.wordpress.com/2021/10/14/quem-era-o-pai-de-d-afonso-henriques-por-vitor-manuel-adriao/ Acesso: julho de 2024).
7 - A CRÔNICA DOS GODOS. Traduzida pelo Professor Albino de Faria. Disponível em: https://www.arqnet.pt/portal/historiografia/godos_cronica.html . Acesso: julho de 2024.
Segundo nota do Professor Albino, as datas apresentadas na Crônica dos Godos são da Era Hispânica, contada a partir de 1 de janeiro de 38 a. C., e não da Era Cristão, adotada em Portugal somente em 22 de agosto de 1422, no reinado de D. João I. Portanto, para saber o ano correspondente ao Calendário Cristão, é necessário diminuir 38 anos à data.
LORIGA - saio de malha com lâminas de aço ou escamas de ferro.
Afonso Henriques, segundo A Crônica dos Godos, tinha o corpo gigantesco.
8 - Çolleima, do árabe Suleiman - Salomão.
9 - GALVÃO. Duarte. Crônica do Rei Dom Afonso Henriques. Biblioteca de Clássicos Portugueses. 1906.
Os capítulos XXI a XXIV, que tratam sobre o BISPO NEGRO, se encontram cortados na edição de 1726 pelo censor, na qual, para evitar uma lacuna que traria questionamentos e curiosidades sobre os capítulos ausentes, renomeou o XXV como XXI, e assim por diante. Antes a desculpa para extirpar tais capítulos da obra era a de serem apenas lendas sem valor nenhum histórico. Nos dias de hoje, vemos a censura chegando com força em todo o planeta. Obras como as de Monteiro Lobato estão ameaçadas pelo linguajar de sua época - realmente, sem uma adaptação, não há como destinar para crianças de nosso tempo. Mas a obra integral deve permanecer de livre acesso para os estudiosos e o público leigo, mas este a partir da adolescência, por mais polêmica que ela seja, ainda que sejam obrigatórias notas de rodapé.
10 - BRANDÃO. Frei Antônio. Monarquia Lusitana, Livro X, Capítulo X. Mosteiro de S. Bernardo, Lisboa, 1632.
GALVÃO. Duarte. Crônica do Rei Dom Afonso Henriques. Biblioteca de Clássicos Portugueses. 1906, Capítulo XVI.
11 - BRANDÃO. Frei Antônio. Monarquia Lusitana, Livro XI, Capítulo IX. Mosteiro de S. Bernardo, Lisboa, 1632.
Évora foi tomada por Giraldo Sem Pavor no ano 1166 da Era Cristã, 1204 da Era Hispânica.
(A CRÔNICA DOS GODOS. Traduzida pelo Professor Albino de Faria. Disponível em: https://www.arqnet.pt/portal/historiografia/godos_cronica.html . Acesso: julho de 2024).
12 - AFONSO. Tenente-coronel Carlos Filipe. Geraldo Sem Pavor, Fronteira e Operações Irregulares no Século XII. Revista Militar. Disponível em: https://www.revistamilitar.pt/artigo/1577 . Acesso: julho de 2024.
ALCÁÇOVA - fortaleza ou castelo de origem árabe.
13 - BRANDÃO. Frei Antônio. Monarquia Lusitana, Livro XI, Capítulo XIII. Mosteiro de S. Bernardo, Lisboa, 1632.
14 - GALVÃO. Duarte. Crônica do Rei Dom Afonso Henriques. Biblioteca de Clássicos Portugueses. 1906, Capítulo XLIV.
GIRALDO SEM PAVOR fora capturado em Badajoz por Rodrigo Fernandez, o Castelhano, que em troca de sua liberdade exigiu os castelos Montánchez, Trujillo, Santa Cruz de la Sierra e Mofra, todos eles tomados pelo aventureiro aos sarracenos. Empobrecido e desprovido de ajuda, Giraldo se une aos muçulmanos, acabando por ser decapitado em terras marroquinas por um pretexto fútil. (CRONICA LATINA DE LOS REYES DE CASTILLA. Introdução, Texto Crítico, Tradução, Notas e Índices de Luis Charlo Brea. Universidad de Cadiz, 1984). Os Silveiras, senhores de Goes, e os Sortelha dos Pestana, de quem descendem, segundo uma fama que carregam de longa data, descendem deste ladrão arrependido. Estes Silveiras se dividem em duas casas - Barão de Alvito e Conde de Sarzedas, as quais usam o apelido Lobo. (10 - BRANDÃO. Frei Antônio. Monarquia Lusitana, Livro XI, Capítulo IX. Mosteiro de S. Bernardo, Lisboa, 1632.). Na Genealogia da Ilustríssima e Excelentíssima Senhora D. Maria Ignacia da Silveira, de 1771, consta que Joanne Eanes Pestana, que era Cavaleiro em Évora durante o reinado de Afonso II, descendente de D. Joanne Pestana, que se achou no Cerco de Coimbra, quando foi tomada aos mouros, e for armado cavaleiro juntamente com o Cid Ruy Dias de Bivar (El Cid - Rodrigo Dias de Bivar), e seria, segundo genealogistas antigos e averiguadores, descendente de Giraldo Sem Pavor.
LEIA TAMBÉM: A Louca Paixão do Rei Ramiro pela Linda Moura
Comentários
Postar um comentário