Sonhos Intrigantes nas Noites de Sexta-Feira Santa
Era noite de Sexta-feira Santa do ano de 1942, no Distrito de Salgado, município de Itabaiana, Paraíba. (1) O vaqueiro Santino Martins Dionísio já se encontra dormindo. Sonha rumando para a serra da Margarida para caçar mocós, como fazia habitualmente. Chega ao pé da serra, no meio da mata. Quando inicia a subida, dá de cara com um índio baixo, mas atarracado. Ele fala para Santino o acompanhar. Ia lhe mostrar um lugar naquela serra onde se encontravam uns mortos que queriam sair de lá e era preciso que o vaqueiro os retirasse dali. Santino concorda em seguir o indígena, que vai subindo à frente. Enquanto o segue, nota algo estranho. Enquanto ele se abaixa e se afasta cuidadosamente para passar entre os galhos e cipós, o índio os atravessa como se fosse uma sombra. Chegam, então, a uma loca que era bem familiar para Santino. Nela, inúmeras vezes se abrigara da chuva à espera dos mocós. O índio aponta para ela e lhe fala que os mortos estavam ali. E então ele desaparece. (2)
Santino acorda. Conta à esposa o que sonhara, mas sem dar muito importância ao sonho. (3)
Sexta-feira Santa, ano de 1943. O sonho se repete. É idêntico ao do ano anterior. (4)
Sexta-feira Santa, ano de 1944. O distrito em que Santino vivia já não se chamava Salgado, mas Aburá, e o município de Itabaiana também mudara de nome. Agora era Tabaiana. Pelo terceiro ano consecutivo, o sonho se repetia. (5)
No outro dia, vencido pelo insistente sonho, o vaqueiro decide ir à serra da Margarida. Era preciso por um ponto final nessa história dos mortos à sua espera. Após cumprir suas obrigações, parte, armado de espingarda e facão, subindo a serra em direção da loca. A serra da Margarida é um dos contrafortes da serra do Pirauá, subdivisão oriental da Borborema, na divisa entre Paraíba e Pernambuco. De pouca altura, a meia encosta, grandes blocos de pedras rolados, produzidos por erosão, formam furnas e locais que servem de abrigo aos caçadores de mocós, abundantes na serra. (6)
A chegada à tão familiarizada loca foi frustrante - dois enormes blocos de pedra que ali formam o piso e o teto da gruta impediam a abertura de covas. Não era possível haver gente enterrada ali. "Tolo era quem andava atrás de coisa sonhada", refletiu Santino. (7)
Começa a chuviscar. Ele se deita à espera de a chuva passar. Acaba adormecendo. E começa a sonhar novamente...
O índio torna a aparecer em seu sonho. Mostra uns blocos de pedra empilhados ao fundo da loca. Era preciso que os retirasse. Os mortos estavam ali. (9)
Ao acordar, verifica que há mesmo pedras ocultando o fundo da loca. Ele já as conhecia, mas nunca imaginara que escondessem qualquer coisa. Pegando o facão, corta uma estaca e com ela faz a pedra cair cuidadosamente. Receia haver alguma cascavel ali. Remove, então, uma segunda pedra. Ao remover a terceira, se assombra... esqueletos jaziam emparedados! O sonho se realizara. (10)
Santino desce a serra, e informa o ocorrido ao seu patrão, Odilon Maroja, criador local, proprietário da localidade onde se localiza a Serra da Margarida, e à autoridade policial de Tabaiana. (11)
A notícia das ossadas encontradas na loca chega ao médico Manuel Florentino, que avisa a uns amigos que faziam inspeção mineralógica em Pernambuco, encarregados pelo Interventor Agamenon Magalhães. Ele informa que em Aburá, município de Tabaiana, na Paraíba, haviam sido encontradas ossadas humanas no fundo de uma loca, na serra da Margarida, provavelmente um cemitério indígena, o que seria interessante para eles. Dentre os pesquisadores, havia o espanhol León Francisco Clérot Rodrigues. (12)
Temendo que inúmeros curiosos frequentassem o local do achado, supondo se tratar de um crime ou obra de cangaceiros, que outrora teriam saqueado a região, os pesquisadores solicitaram ao Doutor Manuel Moraes, Chefe de Polícia, que mandasse interditar o local para evitar possíveis estragos. (13)
Sendo atendidos, foram dias depois ao local, devidamente credenciados para opinar sobre a identificação das ossadas. (14)
Estavam emparedados os esqueletos de seis pessoas - sendo os de dois homens, três mulheres e uma criança de cerca de dois anos. (15)
Segundo o laudo, concluído em João Pessoa, 2 de maio de 1945, pelo exame pericial das ossadas humanas achadas na serra da Margarida, verificaram se tratar de sepultura indígena. Os crânios eram em tudo idênticos aos do cemitério indígena Cariri na serra do Algodão. Pela estrutura capilar examinada ao microscópio eram cabelos de indivíduos de raça americana. Os adornos encontrados junto dos esqueletos eram indígenas. O estado de porosidade dos ossos às inumações deviam remontar à data muito remota. Pelo que se tinha observado, era costume dos Cariri emparedar os seus mortos em locas de pedra. Parecendo, pois afastada toda suspeita de crime recente. (16)
Quanto à veracidade do relato de Santino, os antropólogos o indagaram repetidas vezes, sem encontrar contradições. Sobre sua idoneidade e se merecia fé, em toda a redondeza lhes foi dito que era "cabra verdadeiro, incapaz de contar história inventada". (17)
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1. Atual município de Salgado de São Félix. (IBGE. História - Salgado de São Félix - PB. 2023. Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/.../salgado-de-sao.../historico . Acesso: abril de 2025).
2. CLEROT, L. F. R. 30 Anos na Paraíba - Memórias Corográficas e outras Memórias. Editora Pongetti. Rio de Janeiro, 1969, p. 134 e 135.
Loca. Gruta ou caverna na encosta das montanhas, coberta por enorme pedra.
3. CLEROT, p. 135.
4. CLEROT, p. 135.
5. IBGE, op. cit.
CLEROT, op, cit.
6. CLEROT, p. 132 e 135.
7. CLEROT, p. 135.
8. Ibid.
9. Ibid.
10. Ibid.
11. Ibid.
12. CLEROT, p. 132.
León Francisco Clérot Rodrigues não era natural do Rio de Janeiro. Na verdade morou no Rio, como vemos no registro de seu matrimônio datado de 26 de outubro de 1910, no Cartório do Rio de Janeiro, Sétima Pretoria. Foi no registro de seu óbito que o declarante ou escrivão no Cartório de João Pessoa, em 5 de dezembro de 1967, que fizeram constar o autor de 30 Anos na Paraíba - Memórias Corográficas e outras Memórias como natural de Nova Friburgo, Rio de Janeiro.
13. Ibid.
O último grande cangaceiro que aterrorizara o Nordeste falecera há poucos anos. Faziam apenas 4 anos que Corisco havia morrido.
14. Ibid.
16. CLEROT, p. 133.
17. CLEROT, p. 135 e 136.
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