Caçada a Alfredo Soares Leite, e sua Descendência em Umarizal e Pau dos Ferros
- Ele correu pra dentro daquela tapera! - indicou o sargento aos dois soldados que o acompanhavam. Foram, então, para lá correndo. O sargento adentrou aquela edificação abandonada com cautela. Estava empunhando uma Parabellum 7,65 (1), enquanto que o soldado que o seguia e o que ficara vigiando do lado de fora portavam .38 (2).
- O cabra deve ter parte com o Cão! Já reviramos a casa inteira e nada de encontra-lo. E o Matos, do jeito que tá posicionado lá fora, não iria o deixar sair da casa sem lhe meter um tiro.
O sargento nada responde. Só observava um toco aceso (3) que estava no chão de um dos quartos.
Mais uma vez Alfredo Soares Leite, meu trisavô, conseguira escapar da polícia, após assassinar a esposa, minha trisavó.
Conhecedor daquelas orações que tornavam oculto quem as profere, deu muito trabalho para os policiais captura-lo.
No Migalhas (4), site voltado à área jurídica, pode-se ver que ainda hoje há pessoas que praticam tais feitiços. Na comarca da cidade mineira Brasília de Minas, em um documento datado de 24 de setembro de 2014, referente a um processo, o advogado do réu se dirige ao juiz recomendando cautela aos oficiais de justiça que fossem citar seu cliente, que estava se escondendo. Segundo o advogado, a mãe do réu avisou que o filho possuía o Livro de São Cipriano, conseguindo assim se transformar em um toco, ou até mesmo se esconder atrás de um cabo de enxada. Informava ainda que a família era possuidora de cães enormes que chegavam a devorar bezerros, os quais, quando a polícia os via, se admiravam do tamanho deles, porém achando que eram porcos bem grandes.
Ao que parece o Norte de Minas já tem uma tradição histórica de bruxaria.
- Seu avô foi um grande feiticeiro. Tinha uma fazenda em Lontra que tava infestada de cobras. Ele foi chamado pelo fazendeiro para por um fim nelas. Quando ele chegou, após fazer uma reza, diante de todos as cobras foram vistas saindo em grande quantidade pela porteira da Fazenda. - Assim contaram os mais velhos que conheceram o feiticeiro Siriaco Teixeira de Melo a seu neto, o qual me relatou neste ano de 2022. Siriaco está enterrado no cemitério antigo do Condado do Norte, distrito de São João da Ponte.
Em 2021 o Brasil inteiro assistira o poder de invisibilidade que tais orações davam. Os jornalistas começaram a divulgar que Lázaro Barbosa, um serial killer, embora grande conhecedor da mata local, deveria usar algum poder ligado ao ocultismo, pois ele estava conseguindo escapar de um cerco que envolvia o enorme contingente de mais de 400 policiais, além de cães e até drones. Logo associaram ele ao Livro da Capa Preta.
Contam que para quem possui tais orações de invisibilidade, para ser pego é preciso que seja traído por alguém de sua confiança. Assim foi com Lázaro. Assim também foi com Alfredo, que foi traído por um amigo.
Quando foi preso, um policial lhe contou que percebeu, quando o perseguia, que ele estava transformado em um toco aceso, mas por ser também conhecedor da reza, não poderia revelar o feitiço para seus colegas, deixando-o escapar.
Por ainda ter um filho pequeno, Alfredo pediu autorização para o criar na Cadeia de Pau dos Ferros. Ali exerceu o ofício de sapateiro, trabalhando também com outros artigos de couro (5). Diz meu pai que esse menino era o Joãozinho, mas descobri em minhas pesquisas a existência de outros dois filhos mais novos que este, cuja existência tanto meu pai como suas irmãs ignoravam. Talvez tenham morrido em Piancó antes da partida da família para Umarizal (6).
Um fato que me chamou a atenção é que o padre que batizou 5 dos sete filhos de Alfredo, incluindo minha bisavó Sebastiana Soares Leite, em Piancó, foi o Padre Aristides Ferreira da Cruz. O último dos meninos, filhos de Alfredo que ele batizara, vi com espanto que o registro tinha o número 666 ! (7) E para aqueles que forem incrédulos como Tomé, duvidando do que conto, aí vai o ano para sua localização: 1907.
O olhar melancólico com que Aristides aparecia nas fotografias parecia pressentir seu trágico destino. Talvez influenciado pelo sucesso e as proezas de Padre Cícero, que após entrar na política, chegaria ao auge em 1914 ao marchar com sua gente para Fortaleza e derrubar o Governador do Ceará, Padre Aristides também entra para a Política e acaba se elegendo Deputado em 1915 (8).
A Família Leite que vira seu poder diminuir em Piancó com a chegada do padre deputado na Política, talvez tenha arquitetado com o Governador da Paraíba, João Suassuna, o fim dele. Seria intolerável para essa gente ter uma versão do Padre Cícero na Paraíba.
Foi por ocasião da aproximação da Coluna Prestes em Piancó que Suassuna, em um telegrama, solicitou ao Padre Aristides que convocasse a população e se unisse às forças policiais, na defesa do lugar, porque os rebeldes já estavam reduzidos, famintos e sem munição suficiente. Um grande reforço policial já estava sendo encaminhado para se unir à resistência.
A Coluna Prestes formada por militares do Rio Grande do Sul e São Paulo que se rebelaram contra o Governo Federal, percorrendo o país para chamar o povo a se juntarem a eles para implantarem mudanças sociais, econômicas e políticas, se caracterizaria pela guerra de movimento, e divisão em inúmeras unidades menores para iludir o inimigo. Pode ser que o Governador tivesse acreditado que eram poucos.
Durante o anoitecer do dia 08 de fevereiro de 1926, tudo o que o padre conseguira reunir para a defesa de Piancó foram apenas 12 praças, um cabo, um sargento, 30 paisanos e 2 oficiais. Na residência de Aristides, onde se encontrava também o prefeito, chega um mensageiro com a seguinte mensagem para o padre em um bilhete meio amassado e úmido de suor:
"Não tente resistir, é uma ideia absurda. Passa de mil homens com armamento à disposição. Alguns até com aparente falta de disciplina. Desde a manhã de hoje Coremas foi invadida por um exército de guerrilheiros desalmados, cruéis".
Todos que se encontravam na sala olhavam apreensivos para o padre, onde se via claramente seu semblante coberto de tristeza. Por um instante, se deixou convencer pelos amigos a partir com sua mulher e filhos. Mas depois o orgulho de homem público, defensor do povo e da cidade falou mais alto. Da calçada se despediu da sua família.
Terça Feira, 8 horas da manhã do dia 9 de fevereiro de 1926. Descem uma ladeira que leva para Piancó batedores da Coluna Prestes, entre eles, alguns prestigiados oficiais. Não esperavam encontrar resistência em Piancó, ainda mais ao verem serem sinalizadas indevidamente bandeiras brancas por alguns defensores. Seguiam em direção da Cadeia Pública da Vila de Piancó, atrás de armas, munições, e talvez para libertar presos políticos.
Um grupo de defensores que estava localizado bem na cadeia pública, Sede da Delegacia de Polícia, comandados pelo Sargento Manuel Arruda, baleia o Capitão Pretinho (Manoel de Oliveira Pires), tombando dessa forma um dos oficiais mais queridos da Coluna, e o Capitão João Batista dos Santos, além de vários soldados que também caem mortos.
O pequeno destacamento rebelde se retira. Mas 20 minutos depois retorna em enorme número. Agora são mais de mil atacantes, que investem como lobos enfurecidos contra menos de meia centena de defensores.
- Todo o Piancó, queimado, não pagaria pela vida do Capitão Pretinho! - bradavam irados os soldados da Coluna Prestes.
Muitos dos poucos defensores de Piancó conseguem fugir lá pelo início da tarde. Apenas se mantem a defesa na casa do padre deputado, que é crivada de balas. Ainda assim o Padre e seus amigos lutam bravamente contra o inimigo.
A porta da frente se abre, e o Sargento Lino ( Laudelino da Silva) tenta invadir a residência, de arma em punho, mas leva um tiro na cabeça e cai. Era mais um membro querido pelas tropas rebeldes, que acabam se ensandecendo ainda mais, jogando uma lata de gasolina por uma janela frontal da casa, com a intenção de incendiar o edifício, pondo um fim na resistência de seus ocupantes. Ouve-se o estrondo da explosão da gasolina, seguido de explosões de bombas de gás ou de efeito moral que foram também arremessadas para dentro do local.
Vendo que atenção dos soldados da Coluna estava voltada para a fachada da casa, dois amigos do padre saem por uma janela lateral. Um deles consegue escapar, e será a fonte para os acontecimentos até aquele instante. O outro cai baleado, morrendo na hora.
A Coluna, finalmente, invade a casa. Mesmo sonolentos pelos efeitos dos gases, aqueles heróis de Piancó continuam lutando pelos corredores e salas da casa contra os rebeldes sulistas.
- Calar baionetas! - ouve-se ordenar à tropa o comandante da investida (9).
O Padre Aristides vê que todos seriam estripados sem nenhuma piedade, e então, pede garantias de vida para todos, se fossem se render. Não sabe ele que essa morte seria menos cruel do que a que viria a seguir, pois o comando da Coluna Miguel Costa-Prestes que estava ali presente finge apenas aceitar os termos de rendição (10).
Surge diante dos rebeldes o Padre Aristides Ferreira da Cruz, sem a batina, vestindo calça com suspensório e uma camisa branca. Enfurecidos pelas enormes perdas que nunca imaginavam ter naquela pequena localidade, agarram ele e seus companheiros, e os arrastam para um barreiro que ali havia perto.
Naquele barreiro, um espetáculo macabro daria início, ao modo de execução favorito dos gaúchos, que formavam a maioria dos integrantes da Coluna Prestes - a Degola. Começaram pelos mais humildes. De pé e de mãos amarradas para trás, os infelizes, de costas para seus algozes, tinham seus cabelos puxados para trás pela mão esquerda destes, enquanto que a direita, segurando uma faca de lâmina bem afiada, cortava veias, artérias e a traqueia. Um esguicho forte do sangue se via, então, que espumava em contato com o ar. As centenas de soldados rebeldes, que formavam a plateia, riam de prazer enquanto assistiam a vítima, que ainda dava uns passos involuntários, derivados dos movimentos medulares, ir tornando da cor de vinho tinto o barro à sua volta (11).
E assim, um a um, as vítimas iam sucumbindo naquele espetáculo selvagem, formando uma lama de sangue. Quando os mais humildes se foram, chegara a vez dos comerciantes, até ser a vez do prefeito e seu filho.
Assim morreram:
- O Prefeito João Lacerda Moreira de Oliveira;
- Osvaldo Lacerda Moreira de Oliveira, comerciante, filho do Prefeito;
- José Ferreira da Cruz, comerciante, sobrinho do Padre Aristides
- Hostílio Túlio Gambarra;
- Joaquim Ferreira da Silva, Antônio Leopoldo, José e João Lourenço, agricultores;
- Jovino Raimundo, conhecido por Quelé, agricultor e ex-praça da Polícia;
- Rufino Soares, guarda municipal e guarda costas de Padre Aristides;
- Antônio Cristóvão;
- Manoel Clementino de Sousa, escrivão do distrito de Aguiar;
- Antônio Clementino de Sousa, escrivão da Coletoria Federal em Piancó, filho de Manoel Clementino;
- João Ferreira;
- Antônio Custódio;
- Severino Rocha da Silva, motorista;
- Severino Guarabira, ex-detento;
- Vicente Mororó.
O Padre Aristides ficara para um final especial, por ter sido o responsável por liderar o movimento de resistência em Piancó, resultando em enormes baixas para a Coluna, cerca de 40 soldados mortos. Fora uma humilhação para aqueles que nunca perderam uma batalha! Após ser esmurrado, um sádico daqueles rebelados lhe arranca a calça e o capa, fazendo-o depois engolir os próprios testículos. Somente depois teria o final que tiveram seus leais companheiros - a degola (12).
Enquanto deixavam os corpos no barreiro, a Coluna topou com uma ajuda que chegara tarde demais para se ajuntar ao Padre Aristides - um pai com seus quatro filhos. A sessão de horrores voltava a ter início. Manoel Severino Leite Sobrinho, o valente pai que trouxera os filhos para a luta que nunca veriam acontecer, por chegarem atrasados, veria um de seus filhos ser amarrado à cauda de um cavalo e ser arrastado em meio às pedras e cactos daquele cenário árido do sertão.
Assim, acresceu-se à lista dos mortos em Piancó pelos integrantes da Coluna Prestes os desafortunados membros dessa família:
- Manoel Severino Leite Sobrinho, pai;
- José Severino Leite, filho;
- Eloy Severino Leite, filho;
- Joaquim Severino Leite, filho;
- Filho Desconhecido de Manoel Severino Leite Sobrinho (13).
Para um pessoa normal, o 666 é apenas um número. Nada mais. Mas no caso de meu trisavô Alfredo, envolto em bruxarias, talvez as Forças das Trevas estariam marcando o destino do Padre Aristides a partir do momento que batizara aquele filho dele...
Continua em CAÇADA A ALFREDO SOARES LEITE, E SUA DESCENDÊNCIA EM UMARIZAL E PAU DOS FERROS - 2a Parte
Leia as Postagens anteriores:
O Descendente Sinistro dos Oliveira Ledo que viveu em Umarizal e Pau dos Ferros
Amaldiçoados por Cinco Gerações
1 - Pistola Luger calibre 7,65 mm que o Governo Brasileiro adotara em 1906. Lampião, no início, também a usara. Mas depois passaria a usar uma Pistola Parabellum mais moderna, a Luger P-08, a mesma arma utilizada pelos oficiais alemães no início da II Guerra, possuidora de um calibre muito mais possante, o de 9 mm. Fonte: A PISTOLA PARABELLUM NO IMAGINÁRIO POPULAR, Aurelino Fábio Carvalho Costa. Artigo publicado no blog Lampião Aceso.
2 - Revólver Colt Police Positive de calibe .38.
3 - Pedaço de lenha aceso ou meio queimado.
5 - Alfredo era marchante, ou seja, negociante de carne bovina. O trabalho de sapateiro pode ter aprendido na prisão para sustentar o filho. Quanto ao policial quem conhecia o mesmo feitiço que ele, desconhece-se quem era.
6 - Após a publicação dessa história, encontrei depois dois outros registros de batismo de filhos de Alfredo e Rita com a repetição do nome de João, datados de 1917 e 1918, o que indica ter realmente havido um filho caçula de nome Joãozinho, confirmando o relato de meu pai e suas irmãs. O interessante é que nenhum desses dois Joãos foi batizado pelo Padre Aristides, confirmando assim o que eu já tinha aqui contado que o último filho masculino de meu trisavô que ele batizara tivera o número 666 no registro da paróquia.
7 - Número atribuído à Besta, ou seja ao Demônio, conforme o Livro do Apocalipse 13,16-18.
8 - Desde 1912 a Igreja Católica o afastara das funções sacerdotais por viver conjugalmente com uma moça.
9 - Calar Baioneta - fixar a baioneta no cano do fuzil, com intenção de perfurar o oponente.
10 - É quase certo que Luiz Carlos Prestes e Miguel Costa, se estivessem ali presentes, teriam respeitado o acordo para a rendição. Mas estavam em outra localidade.
11 - Sobre o método da Degola: CIVILIZAÇÃO E BARBÁRIE: A DEGOLA NOS CONFLITOS PLATINOS (UMA APROXIMAÇÃO HISTÓRICO-LITERÁRIA), de César Augusto Barcellos Guazzelli.
12 - Seguem as outras fontes utilizadas para esta descrição romanceada do Combate da Coluna Prestes em Piancó: Coluna Prestes em Piancó - Site do Tavinho; Padre Aristides e a Coluna Prestes, de Evandro Nóbrega; João Trindade relembra Coluna Prestes: "O Dia em que a Coluna passou"; Notas sobre o sangramento do Padre Aristides Ferreira da Cruz, de José Romero Araújo Cardoso.
13 - Não consegui identificar, no momento, o quarto filho de Manoel Severino Leite Sobrinho.
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